segunda-feira, 18 de abril de 2011

O professor está sempre errado


Quando...
É jovem,não tem experiência.
É velho,está superado.
Não tem automóvel,é um coitado.
Tem automóvel,chora de “barriga cheia”.
Fala em voz alta,vive gritando.
Fala em tom normal,ninguém escuta.
Não falta ao colégio,é um “caxias”.
Precisa faltar,é um “turista”.
Conversa com os outros professores,está malhando o aluno.
Não conversa,é desligado.
Dá muita matéria,não tem dó dos alunos.
Dá pouca matéria,não prepara os alunos.
Brinca com a turma,é metido a engraçado.
Não brinca com a turma, é um grosso.
Não chama à atenção,não sabe se impor.
A prova é longa,não da tempo.
A prova é curta,tira as chances do aluno.
Escreve muito,não explica.
Explica muito,o caderno não tem nada.
Fala corretamente,ninguém entende.
Fala a “língua” do aluno,não tem vocabulário .
Exige,é rude.
Elogia,é debochado.
O aluno é reprovado,é perseguição.
O aluno é aprovado é aprovado “deu mole”.
É,o professor está sempre errado.Mas,se você conseguiu ler até aqui agradece a ele.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Preconceito

           Certo dia um menino chamado Alaor ia em direção ao seu colégio,sozinho,vizualizou um grupo de crianças e alegremente correu em direção a esse grupo,chegando lá um menino desse grupo falou assim:
 - Sai daqui você não é do nosso tipo - e Alaor disse:
 - É por que eu sou negro? Respondeu Alaor  e os meninos sairam em silêncio.
    Alaor parou em meio da estrada,desorientado,triste,sozinho,começou a chorar,e caminhando mais um pouco Alaor deparou-se com um grupo de rapazes em rodinha,porém um rapaz gritou Alaor:
 - Ei,psiu,psiu,ei.
    Alaor olhou para trás,o rapaz acenou com as mãos chamando-o,e tendo Alaor indo lá,eles começaram a oferecer-lhe bebidas,Alaor por nunca ter bebido ficou com um pouco de medo,certeza naquele momento ele teria,mais vontade suficiente,depois de alguns minutos quando ele se deu conta já estava completamente bêbado,drogado e tudo mais.
    Sua mãe indo a sua procura,completamente preocupada gritando-lhe em estrada a fora,depois de tanto procurar encontrou-o jogado na esquina da rua dos pecadores,bêbado,sujo,fedido,ferido.Sua mãe desesperadamente sua mãe levou-o para o CTAV(Centro de Tratamento de Alcoólatras e Viciado),Alaor conseguiu vencer ao vicio das drogas e do alcoolismo.
   E com o passar do tempo,Alaor terminou seus estudos,fez técnico de enfermagem e outros,conseguiu ser enfermeiro.
   Um dia em seu HPAD(Hospital Particular Alaor Dias) chegou em emergência,o rapaz que negou no grupo seu estado era gravíssimo pois estava com traumatismo craniano,e em emergência ajudo os cirurgiões,quando este rapaz estava no quarto Alaor foi cuidar dele,e chegando lá o rapaz conheceu Alaor e pediu perdão por aquilo que ele tinha dito,e Alaor respondeu:
 - É eu poderia ter te processado,mais deixei pra lá pois não importa se é,preto,amarelo e/ou branco pois todos nós SOMOS IGUAIS.
 - Como esse mundo dar voltas hein?Respondeu Alaor.

                                                                                                SAMUEL MOREIRA
                                                                                                           autor

sexta-feira, 25 de março de 2011

"UM PUNHADO DE ESFORÇO É MAIS VÁLIDO QUE BARRIS DE INTELIGÊNCIA E SE PUDER SE DESTACAR PELO SEU TALENTO VENÇA PELO ESFORÇO"

         
      Ás vezes agente pensa que não é possível ter um nível superior,não é possível para quem não quer mais com certeza quem quer conseguirá muito,muito além e aí você me pergunta como conseguir isto e eu te responderei:
 - “PORQUE UM PUNHADO DE ESFORÇO É MAIS VÁLIDO QUE BARRIS DE INTELIGÊNCIA”,o seu ESFORÇO com certeza ele sempre valerá muito mais  que barris da nossa INTELIGÊNCIA.
     As maiorias das pessoas só pensam pelo lado negativo,ou seja,são pessoas pessimistas,agente deve ser mais um pouco otimista né?Tantas pessoas precisam de uma palavra otimismo aí sempre tem aquele que sempre fala “olha eu não sei não,eu acho que na vai dar certo”,isso que muitas das vezes deixa as pessoas para baixo veremos um exemplo: Quando entra um professor novo em uma sala de aula e ele é rígido,e também tem aquela pessoa que fala”vou fazer um baixa assinado porque eu não gosto desse professor ele é ruim,muito rígido”,isso deixa o professor ou quaisquer pessoa com a alto estima para baixo eu acho que agente tem que mudar bastante.
      E ai você faz um concurso ou qualquer outra coisa que tenha prova para você passar,conseguir uma bolsa de estudos,você estuda muito,muito mesmo a final não consegue passar é reprovado por pouco não passa e aí você tem que pensar que “SE NÃO CONSEGUIR SE DESTACAR PELO SEU TALENTO VENÇA PELO ESFORÇO”,se você não conseguiu se DESTACAR pelo TALENTO que você tem,não se preocupe pois você conseguiu vencer pelo belo ESFORÇO que você tem,não se preocupe com o que as outras pessoas falam o importante é o seu:"PUNHADO DE ESFORÇO VALE MAIS QUE BARRIS DE INTELIGÊNCIA” e também se você não conseguir “SE DESTACAR PELO SEU TALENTO VENÇA PELO SEU ESFORÇO” que é o mais importante para você
        Não precisa falar dificíl para ser inteligênte,não depende o seu esforço e lembrando só se você querer,e um conselho queira porque assim você vai ALÉM.

                                                                                                                   SAMUEL MOREIRA
                                                                                                                              autor.
                                                                                      
                                                                                                                 

terça-feira, 22 de março de 2011

O caso Barreto

          - Senhor Barreto,não falte amanhã - disse o chefe de seção -,olhe que temos de dar essa cópia ao ministro.
          - Não falto,venho cedo.
          - Mas,se vai ao baile,acorda tarde.
          - Não,senhor,acordo cedo.
          - Promete?
          - Acordo cedo,deixe estar,a cópia fica pronta.Até amanhã.
          Qualquer pessoa,menos advertida,afirma logo que o amanuense Barreto acordou tarde no dia seguinte,e engana-se.Mal tinham batido as seis horas abriu os olhos e não os fechou mais.Costumava acordar às oito e meia ou nove horas,sempre que se recolhia às dez ou onze da noite;mas,andando em teatros,bailes,ceias e expedições noturnas,acordava geralmente às onze horas da manhã.Em tais casos,almoçava e ia passar o resto do dia na charutaria do Brás,rua dos Ouvires.A reputação de vadio,preguiçoso,relaxado,foi o primeiro fruto desse método de vida;o segundo foi não andar para diante.Havia já oito anos que era amanuense;alguns chamavam-lhe o marca-passo.Acrescente-se que,além de falhar muitas vezes,saía cedo da repartição ou com lincença ou sem ela,às escondidas.Como é que lhe davam trabalhos e trabalhos longos?Porque tinha bonita letra e era expedito;era também inteligente e de compreensão fácil.O pai podia tê-lo feito bacharel e deputado; mas era tão estróina o rapaz,e de tal modo fugia a quaisquer estudos sérios,que um dia acordou amanuense.Não pôde dar créditos aos olhos;foi preciso que o pai confirmasse a notícia.
          - Entras de amanuense,porque hove reforma na secretária aumento de pessoal.Se houvesse concurso é provável que fugisses.Agora a carreira depende de ti.Sabes que perdi o que possuía;tua mãe está por pouco,eu não vou longe,os outros parentes conservam a posição que tinham,mas não creio que estejam dispostos a sustentar malandros.Aguenta-te...

A Palmeira

           Como é linda e verdejante
           Esta palmeira gigante
           Que se eleva sobre o monte!
           Como seus galhos frondosos
           S'elevam tão majestosos
           Quase a tocar no horizonte!
           Ó palmeira,eu te saúdo,
           O tronco valente e mudo,
           Da natureza de expressão!
           Aqui te venho ofertar
           Triste canto,que soltar
            Vai meu triste coração.

            Sim,bem triste,que pendida
            Tenho a fronte amortecida,
            Do pesar acabrunhada!
            Sofro os rigores da sorte,
            Das desgraças a mais foret
            Nesta vida amargurada!

            Como ao brilho purpurino
            Do crepusc'lo matutino
            Da manhã o doce albor;
            També amei com loucura
            Ess'alma toda ternura,
            Dei-lhe todo o meu amor!

            Amei!...mas negra traição
            Perverteu o coração
            Dessa imagem da candura!
            Sofri então dor cruel,
            Sorvi da desgraça o fel,
            Sorvi tragos d'amargura!
         ..........................................
            Adeus,palmeira! ao cantor
            Guarda o segredo de amor;
            Sim,cala os segrdos meus!
            Não reveles o meu canto,
            Esconde em ti o meu pranto,
            Adeus ó palmeira!...adeus!
                                                                       MACHADO DE ASSIS. (poemas).

segunda-feira, 21 de março de 2011

O Espelho.

Quatro ou cinco cavalheiros debatiam, uma noite, várias questões de alta transcendência, sem que a disparidade dos votos
trouxesse a menor alteração aos espíritos. A casa ficava no morro de Santa Teresa, a sala era pequena, alumiada a velas, cuja luz fundia-se misteriosamente com o luar que vinha de fora. Entre a cidade, com as suas agitações e aventuras, e o céu, em que as estrelas pestanejavam, através de uma atmosfera límpida e sossegada, estavam os nossos quatro ou cinco investigadores de
coisas metafísicas, resolvendo amigavelmente os mais árduos problemas do universo.
Por que quatro ou cinco? Rigorosamente eram quatro os que falavam; mas, além deles, havia na sala um quinto personagem,
calado, pensando, cochilando, cuja espórtula no debate não passava de um ou outro resmungo de aprovação. Esse homem tinha a mesma idade dos companheiros, entre quarenta e cinqüenta anos, era provinciano, capitalista, inteligente, não sem instrução, e, ao que parece, astuto e cáustico. Não discutia nunca; e defendia-se da abstenção com um paradoxo, dizendo que a discussão é a forma polida do instinto batalhador, que jaz no homem, como uma herança bestial; e acrescentava que os serafins e os querubins não controvertiam nada, e, aliás, eram a perfeição espiritual e eterna. Como desse esta mesma resposta naquela noite, contestou-lha um dos presentes, e desafiou-o a demonstrar o que dizia, se era capaz. Jacobina (assim se chamava ele) refletiu um instante, e respondeu:
- Pensando bem, talvez o senhor tenha razão.
Vai senão quando, no meio da noite, sucedeu que este casmurro usou da palavra, e não dois ou três minutos, mas trinta ou
quarenta. A conversa, em seus meandros, veio a cair na natureza da alma, ponto que dividiu radicalmente os quatro amigos.
Cada cabeça, cada sentença; não só o acordo, mas a mesma discussão tornou-se difícil, senão impossível, pela multiplicidade
das questões que se deduziram do tronco principal e um pouco, talvez, pela inconsistência dos pareceres. Um dos
argumentadores pediu ao Jacobina alguma opinião, - uma conjetura, ao menos.

- Nem conjetura, nem opinião, redargüiu ele; uma ou outra pode dar lugar a dissentimento, e, como sabem, eu não discuto. Mas, se querem ouvir-me calados, posso contar-lhes um caso de minha vida, em que ressalta a mais clara demonstração acerca da matéria de que se trata. Em primeiro lugar, não há uma só alma, há duas...
- Duas?
- Nada menos de duas almas. Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha
de fora para entro... Espantem-se à vontade, podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica. Se me
replicarem, acabo o charuto e vou dormir. A alma exterior pode ser um espírito, um fluido, um homem, muitos homens, um
objeto, uma operação. Há casos, por exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de uma pessoa; - e assim também a polca, o voltarete, um livro, uma máquina, um par de botas, uma cavatina, um tambor, etc. Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência inteira. Shylock, por exemplo. A alma exterior aquele judeu eram os seus ducados; perdê-los equivalia a morrer. "Nunca mais verei o meu ouro, diz ele a Tubal; é um punhal que me enterras no coração." Vejam bem esta frase; a perda dos ducados, alma exterior, era a morte para ele. Agora, é preciso saber que a alma exterior não é sempre a mesma...

- Não?
- Não, senhor; muda de natureza e de estado. Não aludo a certas almas absorventes, como a pátria, com a qual disse o Camões que morria, e o poder, que foi a alma exterior de César e de Cromwell. São almas enérgicas e exclusivas; mas há outras, embora enérgicas, de natureza mudável. Há cavalheiros, por exemplo, cuja alma exterior, nos primeiros anos, foi um chocalho ou um cavalinho de pau, e mais tarde uma provedoria de irmandade, suponhamos. Pela minha parte, conheço uma senhora, - na verdade, gentilíssima, - que muda de alma exterior cinco, seis vezes por ano. Durante a estação lírica é a ópera; cessando a estação, a alma exterior substitui-se por outra: um concerto, um baile do Cassino, a rua do Ouvidor, Petrópolis...
- Perdão; essa senhora quem é?
- Essa senhora é parenta do diabo, e tem o mesmo nome; chama-se Legião... E assim outros mais casos. Eu mesmo tenho
experimentado dessas trocas. Não as relato, porque iria longe; restrinjo-me ao episódio de que lhes falei. Um episódio dos meus vinte e cinco anos...

Os quatro companheiros, ansiosos de ouvir o caso prometido, esqueceram a controvérsia. Santa curiosidade! tu não és só a
alma da civilização, és também o pomo da concórdia, fruta divina, de outro sabor que não aquele pomo da mitologia. A sala, até há pouco ruidosa de física e metafísica, é agora um mar morto; todos os olhos estão no Jacobina, que conserta a ponta do
charuto, recolhendo as memórias. Eis aqui como ele começou a narração:

- Tinha vinte e cinco anos, era pobre, e acabava de ser nomeado alferes da Guarda Nacional. Não imaginam o acontecimento
que isto foi em nossa casa. Minha mãe ficou tão orgulhosa! tão contente! Chamava-me o seu alferes. Primos e tios, foi tudo uma alegria sincera e pura. Na vila, note-se bem, houve alguns despeitados; choro e ranger de dentes, como na Escritura; e o motivo não foi outro senão que o posto tinha muitos candidatos e que esses perderam. Suponho também que uma parte do desgosto foi inteiramente gratuita: nasceu da simples distinção. Lembra-me de alguns rapazes, que se davam comigo, e passaram a olhar-me de revés, durante algum tempo. Em compensação, tive muitas pessoas que ficaram satisfeitas com a nomeação; e a prova é que todo o fardamento me foi dado por amigos... Vai então uma das minhas tias, D. Marcolina, viúva do Capitão Peçanha, que morava a muitas léguas da vila, num sítio escuso e solitário, desejou ver-me, e pediu que fosse ter com ela e levasse a farda. Fui, acompanhado de um pajem, que daí a dias tornou à vila, porque a tia Marcolina, apenas me pilhou no sítio, escreveu a minha mãe dizendo que não me soltava antes de um mês, pelo menos. E abraçava-me! Chamava-me também o seu alferes. Achava-me um rapagão bonito. Como era um tanto patusca, chegou a confessar que tinha inveja da moça que houvesse de ser minha mulher. Jurava que em toda a província não havia outro que me pusesse o pé adiante. E sempre alferes; era alferes para cá, alferes para lá, alferes a toda a hora. Eu pedia-lhe que me chamasse Joãozinho, como dantes; e ela abanava a cabeça, bradando que não, que era o "senhor alferes". Um cunhado dela, irmão do finado Peçanha, que ali morava, não me chamava de outra maneira. Era o "senhor alferes", não por gracejo, mas a sério, e à vista dos escravos, que naturalmente foram pelo mesmo caminho. Na mesa tinha eu o melhor lugar, e era o primeiro servido. Não imaginam. Se lhes disser que o entusiasmo da tia Marcolina chegou ao ponto de mandar pôr no meu quarto um grande espelho, obra rica e magnífica, que destoava do resto da casa, cuja mobília era modesta e simples... Era um espelho que lhe dera a madrinha, e que esta herdara da mãe, que o comprara a uma das fidalgas vindas em 1808 com a corte de D. João VI. Não sei o que havia nisso de verdade; era a tradição. O espelho estava naturalmente muito velho; mas via-se-lhe ainda o ouro, comido em parte pelo tempo, uns delfins esculpidos nos ângulos superiores da moldura, uns enfeites de madrepérola e outros caprichos do artista. Tudo velho, mas bom...

- Espelho grande?
- Grande. E foi, como digo, uma enorme fineza, porque o espelho estava na sala; era a melhor peça da casa. Mas não houve
forças que a demovessem do propósito; respondia que não fazia falta, que era só por algumas semanas, e finalmente que o
"senhor alferes" merecia muito mais. O certo é que todas essas coisas, carinhos, atenções, obséquios, fizeram em mim uma
transformação, que o natural sentimento da mocidade ajudou e completou. Imaginam, creio eu?

- Não.
- O alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as duas naturezas equilibraram-se; mas não tardou que a primitiva cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima de humanidade. Aconteceu então que a alma exterior, que era dantes o sol, o ar, o campo, os olhos das moças, mudou de natureza, e passou a ser a cortesia e os rapapés da casa, tudo o que me falava do posto, nada do que me falava do homem. A única parte do cidadão que ficou comigo foi aquela que entendia com o exercício da patente; a outra dispersou-se no ar e no passado. Custa-lhes acreditar, não?
- Custa-me até entender, respondeu um dos ouvintes.
- Vai entender. Os fatos explicarão melhor os sentimentos: os fatos são tudo. A melhor definição do amor não vale um beijo de moça namorada; e, se bem me lembro, um filósofo antigo demonstrou o movimento andando. Vamos aos fatos. Vamos ver
como, ao tempo em que a consciência do homem se obliterava, a do alferes tornava-se viva e intensa. As dores humanas, as
alegrias humanas, se eram só isso, mal obtinham de mim uma compaixão apática ou um sorriso de favor. No fim de três semanas, era outro, totalmente outro. Era exclusivamente alferes. Ora, um dia recebeu a tia Marcolina uma notícia grave; uma de suas filhas, casada com um lavrador residente dali a cinco léguas, estava mal e à morte. Adeus, sobrinho! adeus, alferes! Era mãe extremosa, armou logo uma viagem, pediu ao cunhado que fosse com ela, e a mim que tomasse conta do sítio. Creio que, se não fosse a aflição, disporia o contrário; deixaria o cunhado e iria comigo. Mas o certo é que fiquei só, com os poucos escravos da casa. Confesso-lhes que desde logo senti uma grande opressão, alguma coisa semelhante ao efeito de quatro paredes de um cárcere, subitamente levantadas em torno de mim. Era a alma exterior que se reduzia; estava agora limitada a alguns espíritos boçais. O alferes continuava a dominar em mim, embora a vida fosse menos intensa, e a consciência mais débil. Os escravos punham uma nota de humildade nas suas cortesias, que de certa maneira compensava a afeição dos parentes e a intimidade doméstica interrompida. Notei mesmo, naquela noite, que eles redobravam de respeito, de alegria, de protestos. Nhô alferes, de minuto a minuto; nhô alferes é muito bonito; nhô alferes há de ser coronel; nhô alferes há de casar com moça bonita, filha de general; um concerto de louvores e profecias, que me deixou extático. Ah ! pérfidos! mal podia eu suspeitar a intenção secreta dos malvados.

- Matá-lo?
- Antes assim fosse.
- Coisa pior?
- Ouçam-me. Na manhã seguinte achei-me só. Os velhacos, seduzidos por outros, ou de movimento próprio, tinham resolvido
fugir durante a noite; e assim fizeram. Achei-me só, sem mais ninguém, entre quatro paredes, diante do terreiro deserto e da roça
abandonada. Nenhum fôlego humano. Corri a casa toda, a senzala, tudo; ninguém, um molequinho que fosse. Galos e galinhas
tão-somente, um par de mulas, que filosofavam a vida, sacudindo as moscas, e três bois. Os mesmos cães foram levados pelos
escravos. Nenhum ente humano. Parece-lhes que isto era melhor do que ter morrido? era pior. Não por medo; juro-lhes que não tinha medo; era um pouco atrevidinho, tanto que não senti nada, durante as primeiras horas. Fiquei triste por causa do dano causado à tia Marcolina; fiquei também um pouco perplexo, não sabendo se devia ir ter com ela, para lhe dar a triste notícia, ou ficar tomando conta da casa. Adotei o segundo alvitre, para não desamparar a casa, e porque, se a minha prima enferma estava mal, eu ia somente aumentar a dor da mãe, sem remédio nenhum; finalmente, esperei que o irmão do tio Peçanha voltasse naquele dia ou no outro, visto que tinha saído havia já trinta e seis horas. Mas a manhã passou sem vestígio dele; à tarde comecei a sentir a sensação como de pessoa que houvesse perdido toda a ação nervosa, e não tivesse consciência da ação muscular. O irmão do tio Peçanha não voltou nesse dia, nem no outro, nem em toda aquela semana. Minha solidão tomou proporções enormes. Nunca os dias foram mais compridos, nunca o sol abrasou a terra com uma obstinação mais cansativa. As horas batiam de século a século no velho relógio da sala, cuja pêndula tic-tac, tic-tac, feria-me a alma interior, como um piparote contínuo da eternidade. Quando, muitos anos depois, li uma poesia americana, creio que de Longfellow, e topei este famoso estribilho: Never, for ever! - For ever, never! confesso-lhes que tive um calafrio: recordei-me daqueles dias medonhos. Era justamente assim que fazia o relógio da tia Marcolina: - Never, for ever!- For ever, never! Não eram golpes de pêndula, era um diálogo do abismo, um cochicho do nada. E então de noite! Não que a noite fosse mais silenciosa. O silêncio era o mesmo que de dia. Mas a noite era a sombra, era a solidão ainda mais estreita, ou mais larga. Tic-tac, tic-tac. Ninguém, nas salas, na varanda, nos corredores, no terreiro, ninguém em parte nenhuma... Riem-se?

- Sim, parece que tinha um pouco de medo.
- Oh! fora bom se eu pudesse ter medo! Viveria. Mas o característico daquela situação é que eu nem sequer podia ter medo,
isto é, o medo vulgarmente entendido. Tinha uma sensação inexplicável. Era como um defunto andando, um sonâmbulo, um
boneco mecânico. Dormindo, era outra coisa. O sono dava-me alívio, não pela razão comum de ser irmão da morte, mas por
outra. Acho que posso explicar assim esse fenômeno: - o sono, eliminando a necessidade de uma alma exterior, deixava atuar a alma interior. Nos sonhos, fardava-me orgulhosamente, no meio da família e dos amigos, que me elogiavam o garbo, que me
chamavam alferes; vinha um amigo de nossa casa, e prometia-me o posto de tenente, outro o de capitão ou major; e tudo isso
fazia-me viver. Mas quando acordava, dia claro, esvaía-se com o sono a consciência do meu ser novo e único -porque a alma
interior perdia a ação exclusiva, e ficava dependente da outra, que teimava em não tornar... Não tornava. Eu saía fora, a um lado e outro, a ver se descobria algum sinal de regresso. Soeur Anne, soeur Anne, ne vois-tu rien venir? Nada, coisa nenhuma; tal qual como na lenda francesa. Nada mais do que a poeira da estrada e o capinzal dos morros. Voltava para casa, nervoso, desesperado, estirava-me no canapé da sala. Tic-tac, tic-tac. Levantava-me, passeava, tamborilava nos vidros das janelas, assobiava. Em certa ocasião lembrei-me de escrever alguma coisa, um artigo político, um romance, uma ode; não escolhi nada definitivamente; sentei-me e tracei no papel algumas palavras e frases soltas, para intercalar no estilo. Mas o estilo, como tia Marcolina, deixava-se estar. Soeur Anne, soeur Anne... Coisa nenhuma. Quando muito via negrejar a tinta e alvejar o papel.

- Mas não comia?
- Comia mal, frutas, farinha, conservas, algumas raízes tostadas ao fogo, mas suportaria tudo alegremente, se não fora a terrível
situação moral em que me achava. Recitava versos, discursos, trechos latinos, liras de Gonzaga, oitavas de Camões, décimas,
uma antologia em trinta volumes. As vezes fazia ginástica; outra dava beliscões nas pernas; mas o efeito era só uma sensação
física de dor ou de cansaço, e mais nada. Tudo silêncio, um silêncio vasto, enorme, infinito, apenas sublinhado pelo eterno tic-tac da pêndula. Tic-tac, tic-tac...

- Na verdade, era de enlouquecer.
- Vão ouvir coisa pior. Convém dizer-lhes que, desde que ficara só, não olhara uma só vez para o espelho. Não era abstenção
deliberada, não tinha motivo; era um impulso inconsciente, um receio de achar-me um e dois, ao mesmo tempo, naquela casa
solitária; e se tal explicação é verdadeira, nada prova melhor a contradição humana, porque no fim de oito dias deu-me na veneta de olhar para o espelho com o fim justamente de achar-me dois. Olhei e recuei. O próprio vidro parecia conjurado com o resto do universo; não me estampou a figura nítida e inteira, mas vaga, esfumada, difusa, sombra de sombra. A realidade das leis físicas não permite negar que o espelho reproduziu-me textualmente, com os mesmos contornos e feições; assim devia ter sido. Mas tal não foi a minha sensação. Então tive medo; atribuí o fenômeno à excitação nervosa em que andava; receei ficar mais tempo, e enlouquecer. - Vou-me embora, disse comigo. E levantei o braço com gesto de mau humor, e ao mesmo tempo de decisão, olhando para o vidro; o gesto lá estava, mas disperso, esgaçado, mutilado... Entrei a vestir-me, murmurando comigo, tossindo sem tosse, sacudindo a roupa com estrépito, afligindo-me a frio com os botões, para dizer alguma coisa. De quando em quando, olhava furtivamente para o espelho; a imagem era a mesma difusão de linhas, a mesma decomposição de contornos... Continuei a vestir-me. Subitamente por uma inspiração inexplicável, por um impulso sem cálculo, lembrou-me... Se forem capazes de adivinhar qual foi a minha idéia...

- Diga.
- Estava a olhar para o vidro, com uma persistência de desesperado, contemplando as próprias feições derramadas e
inacabadas, uma nuvem de linhas soltas, informes, quando tive o pensamento... Não, não são capazes de adivinhar.

- Mas, diga, diga.
- Lembrou-me vestir a farda de alferes. Vesti-a, aprontei-me de todo; e, como estava defronte do espelho, levantei os olhos, e...não lhes digo nada; o vidro reproduziu então a figura integral; nenhuma linha de menos, nenhum contorno diverso; era eu mesmo, o alferes, que achava, enfim, a alma exterior. Essa alma ausente com a dona do sítio, dispersa e fugida com os escravos, ei-la recolhida no espelho. Imaginai um homem que, pouco a pouco, emerge de um letargo, abre os olhos sem ver, depois começa a ver, distingue as pessoas dos objetos, mas não conhece individualmente uns nem outros; enfim, sabe que este é Fulano, aquele é Sicrano; aqui está uma cadeira, ali um sofá. Tudo volta ao que era antes do sono. Assim foi comigo. Olhava para o espelho, ia de um lado para outro, recuava, gesticulava, sorria e o vidro exprimia tudo. Não era mais um autômato, era um ente animado. Daí em diante, fui outro. Cada dia, a uma certa hora, vestia-me de alferes, e sentava-me diante do espelho, lendo olhando, meditando; no fim de duas, três horas, despia-me outra vez. Com este regime pude atravessar mais seis dias de solidão sem os sentir...
Quando os outros voltaram a si, o narrador tinha descido as escadas.
                                    
                                                                                   MACHADO DE ASSIS.

No dia de ano bom.




     Naquele dia, — já lá vão dez anos! — o Dr. Félix levantou-se tarde, abriu a
janela e cumprimentou o sol. O dia estava esplêndido; uma fresca bafagem do
mar vinha quebrar um pouco os ardores do estio; algumas raras nuvenzinhas
brancas, finas e transparentes se destacavam no azul do céu. Chilreavam na
chácara vizinha à casa do doutor algumas aves afeitas à vida semi-urbana,
semi-silvestre que lhes pode oferecer uma chácara nas Laranjeiras. Parecia
que toda a natureza colaborava na inauguração do ano. Aqueles para quem a
idade já desfez o viço dos primeiros tempos, não se terão esquecido do fervor
com que esse dia é saudado na meninice e na adolescência. Tudo nos parece
melhor e mais belo, — fruto da nossa ilusão, — e alegres com vermos o ano
que desponta, não reparamos que ele é também um passo para a morte.
Teria esta última idéia entrado no espírito de Félix, ao contemplar a
magnificência do céu e os esplendores da luz? Certo é que uma nuvem ligeira
pareceu toldar-lhe a fronte. Félix embebeu os olhos no horizonte e ficou largo
tempo imóvel e absorto, como se interrogasse o futuro ou revolvesse o
passado. Depois, fez um gesto de tédio, e parecendo envergonhado de se ter
entregue à contemplação interior de alguma quimera, desceu rapidamente à
prosa, acendeu um charuto, e esperou tranqüilamente a hora do almoço.
Félix entrava então nos seus trinta e seis anos, idade em que muitos já são
pais de família, e alguns homens de Estado. Aquele era apenas um rapaz vadio
e desambicioso. A sua vida tinha sido uma singular mistura de elegia e
melodrama; passara os primeiros anos da mocidade a suspirar por coisas
fugitivas, e na ocasião em que parecia esquecido de Deus e dos homens, caiulhe
nas mãos uma inesperada herança, que o levantou da pobreza. Só a
Providência possui o segredo de não aborrecer com esses lances tão estafados
no teatro.
       Félix conhecera o trabalho no tempo em que precisava dele para viver; mas
desde que alcançou os meios de não pensar no dia seguinte, entregou-se
corpo e alma à serenidade do repouso. Mas entenda-se que não era esse
repouso aquela existência apática e vegetativa dos ânimos indolentes; era, se
assim me posso exprimir, um repouso ativo, composto de toda a espécie de
ocupações elegantes e intelectuais que um homem na posição dele podia ter.
Não direi que fosse bonito, na significação mais ampla da palavra; mas tinha
as feições corretas, a presença simpática, e reunia à graça natural a apurada
elegância com que vestia. A cor do rosto era um tanto pálida, a pele lisa e fina.
A fisionomia era plácida e indiferente, mal alumiada por um olhar de ordinário
frio, e não poucas vezes morto.
Do seu caráter e espírito melhor se conhecerá lendo estas páginas, e
acompanhando o herói por entre as peripécias da singelíssima ação que
empreendo narrar. Não se trata aqui de um caráter inteiriço, nem de um
espírito lógico e igual a si mesmo; trata-se de um homem complexo,
incoerente e caprichoso, em quem se reuniam opostos elementos, qualidades
exclusivas e defeitos inconciliáveis.
Duas faces tinha o seu espírito, e conquanto formassem um só rosto, eram
todavia diversas entre si, uma natural e espontânea, outra calculada e
sistemática. Ambas, porém, se mesclavam de modo que era difícil discriminálas
e defini-las. Naquele homem feito de sinceridade e afetação tudo se
confundia e baralhava. Um jornalista do tempo, seu amigo, costumava
compará-la ao escudo de Aquiles — mescla de estanho e ouro, — "muito
menos sólido", acrescentava ele.
Aquele dia, aurora do ano, escolhera-o o nosso herói para ocaso de seus
velhos amores. Não eram velhos; tinham apenas seis meses de idade. E
contudo iam acabar sem saudade nem pena, não só porque já lhe pesavam,
como também porque Félix lera pouco antes um livro de Henri Murger, em que
achara um personagem com o sestro destas catástrofes prematuras. A dama
dos seus pensamentos, como diria um poeta, recebia assim um golpe moral e
literário.
Havia meia hora já que o doutor saíra da janela, quando lhe apareceu uma
visita. Era um homem de quarenta anos, vestido com certo apuro, gesto ao
mesmo tempo familiar e grave, estouvado e discreto.
— Entre, Sr. Viana, disse Félix quando o viu aparecer à porta da sala. Vem
almoçar comigo, já sei.
— Esse é um dos três motivos da minha visita, respondeu Viana; mas afirmolhe
que é o último.
— Qual é o primeiro?
— O primeiro, disse o recém-chegado, é dar-lhe o cumprimento de bons anos.
Folgo que lhe corra este tão feliz como o passado. O segundo motivo é
entregar-lhe uma carta do coronel.
Viana tirou uma cartinha da algibeira e entregou-a ao doutor, que a leu
rapidamente.
— Creio que é um convite para o sarau de hoje? perguntou Viana quando o viu
dobrar a carta.
— É; transtorna-me um pouco, porque eu tencionava ir para a Tijuca.
— Não caia nessa, acudiu Viana; eu era capaz de deixar todas as viagens do
mundo só para não perder uma reunião do coronel; é um excelente homem, e
dá boas festas. Vai?
Félix hesitou algum tempo.
— Olhe que eu venho incumbido de lhe destruir todas as objeções que fizer,
disse Viana.
— Não faço nenhuma. O convite transtorna-me o programa; mas, apesar
disso, aceito.
— Ainda bem!
Um moleque veio dar parte de que o almoço estava na mesa. Viana descalçou
as luvas e acompanhou o anfitrião.
— Que novidades há? perguntou Félix sentando-se à mesa.
— Nada que me conste, respondeu Viana imitando o dono da casa; o Rio de
Janeiro vai a pior.
— Sim?
— É verdade; já não aparece um escândalo. Vivemos em completa abstinência,
e chegou o reinado da virtude. Olhe, eu sinto a nostalgia da imoralidade.
Viana era um homem essencialmente pacato com a mania de parecer libertino,
mania que lhe resultava da freqüência de alguns rapazes. Era casto por
princípio e temperamento. Tinha a libertinagem do espírito, não a das ações.
Fazia o seu epigrama contra as reputações duvidosas, mas não era capaz de
perder nenhuma. E, todavia, teria um secreto prazer se o acusassem de algum
delito amoroso, e não defenderia com extremo calor a sua inocência,
contradição que parece algum tanto absurda, mas que era natural.
Como Félix não lhe animasse a conversa no terreno em que ele a pôs, Viana
entrou a elogiar-lhe os vinhos.
— Onde acha o senhor vinhos tão bons? perguntou depois de esvaziar um
cálice.
— Na minha algibeira.
— Tem razão; o dinheiro compra tudo, inclusive os bons vinhos.
A resposta de Félix foi um sorriso ambíguo, que podia ser benevolente ou
malévolo, mas que pareceu não produzir impressão no hóspede. Viana era um
parasita consumado, cujo estômago tinha mais capacidade que preconceitos,
menos sensibilidade que disposições. Não se suponha, porém, que a pobreza o
obrigasse ao ofício; possuía alguma coisa que herdara da mãe, e conservara
religiosamente intacto, tendo até então vivido do rendimento de um emprego
de que pedira demissão por motivo de dissidência com o seu chefe. Mas estes
contrastes entre a fortuna e o caráter não são raros. Viana era um exemplo
disso. Nasceu parasita como outros nascem anões. Era parasita por direito
divino.
Não me parece provável que houvesse lido Sá de Miranda; todavia, punha em
prática aquela máxima de um personagem do poeta: "boa cara, bom barrete e
boas palavras, custam pouco e valem muito..."
Chamando-lhe parasita não aludo só à circunstância de exercer a vocação
gastronômica nas casas alheias. Viana era também o parasita da consideração
e da amizade, o intruso polido e alegre, que, à força de arte e obstinação,
conseguia tornar-se aceitável e querido, onde a princípio era recebido com
tédio e frieza, um desses homens metediços e dobradiços que vão a toda a
parte e conhecem todas as pessoas, "boa cara, bom barrete, boas palavras".
Parecendo-lhe que Félix estaria preocupado, Viana entendeu não dizer palavra
antes de achar ocasião oportuna. Veio o café, e o primeiro que rompeu o
silêncio foi o doutor. Viana aproveitou habilmente o ensejo para reatar o fio
dos louvores, tão asperamente quebrado pelo dono da casa. Não lhe elogiou
desta vez os vinhos, mas as qualidades pessoais; afirmou-lhe que ninguém era
mais querido na casa do Coronel Morais, e que ele próprio não se recordava de
pessoa a quem mais estimasse neste mundo.
— O senhor é tão feliz a este respeito, terminou o hóspede, que até as pessoas
que o não vêem há muito conservam em toda a integridade o afeto que o
senhor lhes inspirou. Adivinha de quem lhe falo?
— Não.
— Bem, sabê-lo-á de noite; lá verá em casa do coronel uma pessoa que o
admira, e que o não vê há muito. Sejamos francos; é minha irmã Lívia.
— Admira-me isso, porque eu apenas a vi duas vezes.
— Não é possível, insistiu Viana. Lembra-me que eu mesmo os apresentei um
ao outro. Se não me engano foi em dia da Glória, há dois anos...
— Eu descia o outeiro, continuou Félix, quando os encontrei. Estivemos
parados cinco minutos. À noite encontramo-nos em um baile; cumprimentamonos
apenas e nada mais.
— Só isso?
— Nada mais.
— Nesse caso, concluiu Viana, cuido que o senhor possui o segredo de fascinar
as moças, só com cinco minutos de conversa e um cumprimento de sala.
Minha irmã fala muito no senhor; pelo menos depois que veio de Minas...
— Ah! ela esteve em Minas?
— Foi para lá há perto de dois anos, depois que lhe morreu o marido. Veio há
oito dias; sabe o que me propõe?
— Não.
— Uma viagem à Europa.
— E vão?
— Os desejos de Lívia são ordens para mim. Contudo era talvez melhor que eu
fosse só, porque uma senhora é sempre obstáculo aos desmandos de um
pecador como eu. Não lhe parece?
— É então uma viagem de recreio? perguntou Félix.
— Ou de romance; Lívia tem esse defeito capital: é romanesca. Traz a cabeça
cheia de caraminholas, fruto naturalmente da solidão em que viveu nestes dois
anos e dos livros que há de ter lido. Faz pena porque é boa alma.
— Vejo que tem todas as condições necessárias a um poeta, observou o
doutor; lembra-me que era bonita.
— Oh! a esse respeito a viuvez foi para ela uma renovação. Era bonita quando
o senhor a viu; hoje está fascinante. Há ocasiões em que eu sinto ser irmão
dela; tenho ímpetos de a adorar de joelhos. Com franqueza, assusta-me.
Leve sorriso encrespou os lábios de Félix, enquanto Viana prosseguia o
panegírico da irmã, com um entusiasmo que podia ser sincero e interessado ao
mesmo tempo. Ao fim de um quarto de hora levantou-se este para sair.
— Até à noite? disse, apertando a mão do dono da casa.
— Até à noite.
Félix ficou só.
— Que mulher será essa, perguntou a si mesmo, tão bela que mete medo, tão
fantasiosa que causa lástima?

Machado de Assis
          autor.